sábado, 20 de fevereiro de 2010

4.ANÁLISE DA LETRA

De acordo com Arnaldo Jamor, amor e sexo não são a mesma coisa.

As duas categorias trepam, tendendo ou para a hipocrisia ou para o cinismo. Ninguém sabe quem nasceu primeiro, se a galinha ou se o ovo. Os mais subtis defendem o amor, como algo superior. Os mais práticos definem que o sexo é a única coisa concreta.

O amor é como um jardim que tem cerca e projecto. O sexo invade tudo isso. O sexo é contra a lei. O amor depende do nosso desejo, é uma construção que criámos. Sexo não depende do nosso desejo, o nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor e ninguém sofre de tesão. O sexo é um desejo de apaziguar o amor. O amor é uma espécie de gratidão à posteriori pelos prazeres do sexo.

O amor vem depois, o sexo vem antes. No amor, perdemos a cabeça deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento.

No sexo, o pensamento atrapalha, só as fantasias ajudam. O amor sonha com uma grande redenção. O sexo só pensa em proibições, não há fantasias permitidas. O amor é um desejo de atingir a plenitude. Sexo é o desejo de se satisfazer a finitude. O amor vive da impossibilidade sempre deslizante para a frente. O sexo é um desejo de acabar com a impossibilidade. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor sem sexo, claro, mas nunca gozam juntos. O amor é propriedade, o sexo é posse. O amor é a casa enquanto o sexo é invasão do domicílio. Amor é sonho por um romântico latifúndio, já o sexo é o Movimento dos trabalhadores sem terra. O amor é mais narcisista, mesmo quando fala em doação. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo no egoísmo. Amor e sexo são como a palavra farmakon que provém do grego – remédio e veneno. Amor pode ser veneno ou remédio. Sexo também, mas tudo dependendo das posições adoptadas.

Amor é um texto. Sexo é um desporto. Amor não exige a presença do outro. O sexo, no mínimo precisa de uma “mãozinha”. Certos amores nem precisam de parceiro, florescem até mais sozinhos, na solidão e na loucura. Sexo, não. É mais realista. Nesse sentido amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro e o sexo vem de fora. O amor vem de nós e demora. O sexo vem dos outros e vai embora. O amor é bossa nova (movimento da música popular brasileira - década de 1950) e o sexo é carnaval.

Não somos vítimas do amor, só do sexo. O amor é uma selva de epilépticos, ou o amor, se não for eterno, não era amor (música de Nelson Rodrigues). O amor inventou a alma, a eternidade, a linguagem, a moral. O sexo inventou a moral também, do lado de fora da jaula, onde ele ruge. O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um cowboy, quando acaba a valentia, ele vem e como. Costumam dizer “faça amor, não faça a guerra”. Sexo quer guerra. O Ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas costas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica. O sexo sempre existiu, das cavernas do paraíso até às saunas relax for men. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provinciais do século XII e, depois, revitalizado pelo cinema americano da direita cristã. O amor é literatura. O sexo é cinema. Amor é prosa, sexo é poesia. Amor é mulher, sexo é homem – o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo. O amor domado protege a produção. Sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controlá-lo é programa-lo.

O amor está virando um “hors-d’oeuvre” para o sexo. O amor busca uma certa grandeza. O sexo sonha com as partes baixas. O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há sexo seguro, mas não há camisinha para o amor. O amor sonha com a pureza. O amor é o sonho dos solteiros. Sexo é sonho dos casados. Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente no ciúme (Proust). O grande sexo sente-se como uma tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de esquerda (ou não, dependendo do momento político). Nos anos 60 o sexo era revolucionário, e o amor era careta. E por aí vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos afastar da morte. (Jamor. A)

Um comentário:

  1. Amor e sexo
    Bonito, feio, pazeroso, doloroso, a muitas sensações o podemos associar e, se pensarmos bem, aos olhos de todos são iguais e, ao mesmo tempo, diferentes, podendo coexistirem ou diferenciarem-se. São seiva da vida para uns e fonte de desgraça para outros, mas independente de qualquer uma destas situações não lhes podemos tirar o mérito de serem raízes da vida.

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